terça-feira, 20 de maio de 2008

EUGENIO DE ANDRADE- Poemas

  • · As palavras que te envio são interditas
As palavras que te envio são interditasaté,
meu amor, pelo halo das searas;se alguma regressasse,
nem já reconheciao teu nome nas suas curvas claras.
Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde apertoos meus dias quebrados na cintura.
E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para darum horizonte de cidades bombardeadas.
  • · Poema XVIII
Impetuoso,
o teu corpo é como um rioonde o meu se perde.
Se escuto, só oiço o teu rumor.
De mim, nem o sinal mais breve.
Imagem dos gestos que tracei,
irrompe puro e completo.
Por isso, rio foi o nome que lhe dei.
E nele o céu fica mais perto.
  • · Frente a frente
Nada podeis contra o amor,
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.
Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis- e é tão pouco!
· Respiro o teu corpo
Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-águaao amanhecer,
sabe a cal molhada,sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noitesabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.
  • · Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor
,e o que nos ficou não chegapara afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinasem esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,porque ao teu ladotodas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhoseram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,já não se passa absolutamente nada.
E no entanto,
antes das palavras gastas,
tenho a certezade que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nomeno silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de tinão há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse:
as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade

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